26 de março de 2012

Poema

 Procura da poesia

          Penetra surdamente no reino das palavras.
          Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
          Estão paralisados, mas não há desespero,
          há calma e frescura na superfície intata.
          Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
          Convive  com teus poemas, antes de escrevê-los.
          Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
          Espera que cada um se realize e consume 
          com seu poder de palavra
          e seu poder de silêncio.
          Não forces o poema a desprender-se do limbo.
          Não colhas no chão o poema que se perdeu.
          Não adules o poema. Aceita-o
          como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
          no espaço.                                                                                                       


         Chega mais perto e contempla as palavras.
         Cada uma
         tem mil faces secreta sob a face neutra 
         e te pergunta, sem interesse pela resposta,
         pobre ou terrível, que lhe deres:
       Trouxeste a chave?


        Repara:
        ermas de melodia e conceito  
        elas se refugaram na noite, as palavras.
        Ainda úmidas e impregnadas de sono,
        rolem num rio difícil e se transformam em desprezo.




 Carlos Drummond de Andrade

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